Entre ensaios e expectativas (ou: quando o processo não parece ensinar... mas ensina)
Hoje foi dia de festa na escola.
Um mês inteiro de preparações culminou nas apresentações da nossa tradicional festa junina. Foi bonito, sim. Os alunos dançaram, o público aplaudiu, e no fim ficou aquele alívio coletivo de que "deu tudo certo".
Mas confesso que o que ficou comigo não foi exatamente o resultado — e sim o caminho até ele.
Sou professor de matemática. Não sou dançarino, nem coreógrafo. E, honestamente, ensaiar quadrilha com meus alunos já seria desafiador para alguém com aptidão. No meu caso, foi quase uma travessia. Ensaios cheios de bagunça, risos fora de hora, comandos ignorados, empurrões e impaciência da minha parte. Eu saía de cada ensaio mais descrente. No último, fui para casa quase certo de que a apresentação seria desastrosa.
Mas hoje, lá estavam eles. Dançando. Bonitinhos, sincronizados dentro das suas possibilidades. Felizes.
E eu... incomodado.
O incômodo vem do fato de que eles conseguiram. E eu não vi isso acontecer durante o processo. Fiquei preso à minha frustração de que eles não valorizavam o treino, não entendiam a importância da prática, da entrega, do respeito ao tempo do outro.
Eu queria que eles percebessem que o processo também é o espetáculo.
Mas talvez esse desejo diga mais sobre mim do que sobre eles. Porque, no fim das contas, eles estavam aprendendo. Só não do jeito que eu esperava. E talvez essa seja uma das lições mais difíceis para quem ensina: aceitar que o controle que desejamos sobre o processo formativo não é garantia nem de aprendizado, nem de protagonismo.
Às vezes, a sala de aula é como aquele ensaio torto: barulhenta, desorganizada, cheia de tropeços. Mas algo está sendo construído ali. Silenciosamente. Desobedecendo ao roteiro, improvisando passos. E é isso que, no fim, sobe ao palco da aprendizagem.
Entre ensaios e expectativas, sigo tentando encontrar o equilíbrio entre conduzir e permitir. Entre exigir e confiar.
E, como todo bom professor, sigo também — aprendendo.
Entre parênteses, sempre há espaço para rever o que achamos que sabíamos.
— Professor entre cafés e reflexões ☕
Que reflexão maravilhosa, eu sempre me questiono o quanto consigo atingir os alunos . Muitas vezes me acho rígida demais, pois minha formação foi desta forma, atenção ao extremo e silêncio total na sala. Mas os alunos de hoje precisam também do sorriso, da brincadeira do lúdico. Muitas vezes o que fica ,além do aprendizado teórico, é aquele ensaio bagunçado de festa junina que possibilitou uma aproximação diferente e que fez toda a diferença. Porque como tu mesmo disse : como bons professores seguimos sempre aprendendo.
ResponderExcluirSeu comentário me emocionou de verdade. Obrigado por dividir comigo essa inquietação — porque eu também me pego, tantas vezes, nesse mesmo lugar: entre a firmeza que recebi na minha formação e o desejo (ou a necessidade) de construir algo mais leve com os alunos de hoje.
ExcluirTe confesso que, enquanto escrevia o texto, eu ainda não tinha clareza de tudo o que estava sentindo. Só depois de colocar em palavras é que percebi o quanto carrego essa expectativa de controle, de processo bem conduzido, de seriedade. Talvez porque, como você disse, foi assim que fomos ensinados — a estudar em silêncio, a obedecer, a associar atenção com rigidez.
Mas aí vem um ensaio bagunçado de festa junina e vira tudo de cabeça pra baixo. (E, às vezes, ainda bem que vira.)
O que mais tem me tocado nesse processo é entender que esse “bagunçado” também é espaço de vínculo, e que ensinar com afeto não é o oposto de ensinar com profundidade — é, talvez, o que dá sentido a tudo. Sigo tentando, tropeçando, ajustando. E saber que tem gente caminhando junto, sentindo o mesmo, me fortalece.
De verdade, obrigado. 💛
Seguimos aprendendo — e reaprendendo — juntos.
— Entre Parênteses